Wars: Episódio VII - O Despertar da Força chegou!!!
A primeira coisa a ser dita é: se você acha que sabe do que se trata O Despertar da Força a partir dos trailers, é melhor pensar novamente. Nenhum dos diversos teasers divulgados nos últimos meses oferece alguma dica objetiva do enredo. Quer dizer, dá para presumir poucos detalhes, mas não muito. Por exemplo: onde está Luke Skywalker? Pode-se imaginar que esse questionamento não se limite ao público: no filme, Luke também é um mito sobre o qual todo mundo se lembra e quer saber a respeito. Além disso, o que mais os trailers mostram? Interações emocionantes entre a sucateira Rey e o ex-stormtrooper Finn; Han Solo e Chewbacca "de volta para casa" - ou seja, a bordo da Millennium Falcon; Leia, eterna princesa, agora uma general no comando da Rebelião; e o novo vilão sombrio, Kylo Ren, cultuando o capacete derretido de Darth Vader. Posso garantir, tudo isso está em O Despertar da Força, de uma forma ou outra. O interessante é ir presenciando como essas peças se encaixam. E é ótimo concluir que J.J. Abrams executou sua árdua tarefa com louvor. A experiência agridoce com a franquia Star Trek lhe valeu uma boa carga de experiência e engrossou ainda mais sua casca de diretor de ficção científica. Apesar de confiante, ele sabia que não podia errar a mão com uma saga ainda mais amada, e para a sorte dele, não foi o que aconteceu. Suas escolhas criativas, primando pela exuberância visual e objetividade, podem ser vistas e sentidas a todo momento (e sem abusar do recurso de lens flare!). Planos grandiosos e abertos filmados em locações reais exibem um lado de Star Wars que não vimos nos filmes anteriores -- no caso da primeira trilogia, por pura falta de recursos; no caso da segunda, exatamente pelo motivo contrário, o excesso de efeitos especiais. O Despertar da Força faz uso consciente de recursos de computação gráfica, sem exageros, excessos e exibicionismo. É prazeroso assistir a um filme de fantasia que parece de fato autêntico, e não apenas embrulhado nas trucagens digitais que assolavam a maior parte dos Episódios I a III.
De cara, O Despertar da Força consegue capturar a magia e o feeling dos três primeiros filmes lançados entre 1977 e 1983. Ao mesmo tempo, ele parece moderno, atual e elegante como um Star Wars para essa geração deveria ser. Talvez o maior mérito deste novo longa -- e possivelmente dos dois próximos -- é nos fazer esquecer que os Episódios I a III existiram. Um pouco daquela estética colorida e brilhante está ali, e o ritmo é um pouco menos acelerado, mas o que vemos é um produto fresco, novinho em folha, e ao mesmo tempo completamente familiar. Parece o Star Wars que conhecemos tão bem, mas cada nova cena proporciona uma surpresa que fará a alegria dos fãs nostálgicos. Se me permite uma ousadia, eu digo que seria bastante adequado se O Despertar da Força fosse o primeiro filme Star Wars a ser produzido após O Retorno de Jedi. Agora, chega a ser incrível perceber o quanto a trilogia de 1999 a 2005 hoje se parece desconectada de todo o resto.
O que mais você precisa saber sobre O Despertar da Força que não atrapalhará sua experiência? Antes, as partes boas. Rey, interpretada pela britânica Daisy Ridley, é incrível e se revela a heroína que Star Wars sempre precisou. Habilidosa, atlética, carismática e dona de uma personalidade forte e crível, ela domina todas as cenas em que aparece e tem o que é necessário para se tornar um ícone da saga para as novas gerações de fãs. Se há uma certeza ao final do filme, é a de que Rey irá brilhar muito nos próximos episódios e, possivelmente, muito além desta trilogia.
O restante do elenco novato também nos parece estranhamente familiar, mesmo que jamais tenhamos convivido com esses heróis antes. Poe Dameron (Oscar Isaac), mais habilidoso piloto de X-Wing da Rebelião, provavelmente irá crescer nos próximos capítulos, mas desde já mostrou ao que veio -- para velhos fãs, imagine-o como um Wedge Antilles mais afetuoso e de sangue latino. Finn (John Boyega) também é uma grata surpresa, trazendo a sua interpretação energética uma combinação de espontaneidade e alívio cômico que às vezes falta aos protagonistas dos filmes anteriores. Em se tratando de novos heróis para garantir o futuro da saga, Star Wars está muito bem, obrigado.
Do lado sombrio da Força, porém, as coisas ainda estão indefinidas. O Kylo Ren de Adam Driver acaba se revelando muito mais do que um mero vilão mascarado, vestido de preto e com voz grossa (eventualmente, ele tira a máscara), mas nos proporciona mais perguntas do que respostas. Assim como Daisy Ridley, Driver se revela o grande achado masculino do elenco de O Despertar da Força, conciliando bem a crueldade e a humanidade que costumamos presenciar no grande vilão da cultura pop em todos os tempos -- ninguém menos do que Darth Vader. De uma coisa você pode ter certeza: Kylo Ren não é descartável como foi Darth Maul. E falaremos muito sobre ele (e suas motivações) nos próximos anos.
Outros vilões já conhecidos de Episódio VII -- o Líder Supremo Snoke (Andy Serkis, coberto de computação gráfica), a Capitã Phasma (Gwendoline Christie) e o General Hux (Domhnall Gleeson) -- poderiam ter mais tempo de tela, mas é provável que crescerão em importância nos Episódios VIII e IX. O que é possível notar rapidamente é que a Primeira Ordem consegue ser muito mais cruel e impiedosa do que costumava ser o Império comandado por Palpatine e Vader. Aliás, a base Starkiller, que descrevo livremente como "uma Estrela do Morte encharcada de esteróides e whey protein", é capaz de fazer mais estragos do que os trailers nos deixavam imaginar.
Ainda falando sobre o que funciona bem em O Despertar da Força, é preciso aplaudir a simples existência do droide BB-8, útil, carismático e totalmente sintonizado com o que representa Star Wars nos dias de hoje. Além disso, voltar a explorar os já gastos C-3PO e R2-D2 seria um pouco de forçação de barra (a velha dupla de droides aparece, mas com importância relativizada). Dito isso, é hora de falar sobre o que mais importa aos velhos fãs: qual é a importância de Luke Skywalker, Leia Organa e Han Solo nos novos filmes?
De certa forma, dá para dizer que Episódio VII é um filme de Han Solo (Harrison Ford) -- o que não é exatamente uma novidade, dada a importância que ele recebeu nos trailers. Mas é a maneira como ele é retratado que talvez cause espanto ao público que não o vê em ação há mais de três décadas. É preciso lembrar que o mercenário canalha mais charmoso da galáxia agora é um homem de idade, que felizmente envelheceu sem perder a dureza e a ternura. As melhores frases de efeito saem de sua boca, e a interação fraternal que ele continua a ter com Chewbacca após tantos anos de parceria chega a emocionar. Ford merece palmas por conseguir resgatar um dos personagens mais amados da franquia e reinterpretá-lo exatamente da maneira que os fãs sonhavam em ver. Não consegui disfarçar um berro de satisfação quando Solo finalmente entrou em cena, e esse prazer é renovado a cada sorrisinho de canto de boca e frase de efeito que ele solta a cada diálogo com o elenco mais jovem. Citando uma de suas ótimas tiradas, é nessas horas que todo fã ardoroso de Star Wars realmente se sente em casa.
Carrie Fisher, por sua vez, não tem muito tempo para dizer ao que veio como a agora General Leia, e parece tão cansada da guerra quanto Solo. O problema talvez seja que a persona expansiva e sarcástica que a atriz construiu publicamente ao longo dos anos agora se confunde com a faceta imponente e respeitosa de Leia. A ex-princesa passou por momentos pesados nas últimas três décadas (nem todos muito claros para o público), e isso transparece nos poucos minutos que ela tem em cena. Já Luke Skywalker (Mark Hammil) é o mito que todos buscam e relembram em O Despertar da Força, e dizer mais do que isso atrapalhará bastante a experiência de quem ainda não viu o filme.
Pelo menos para mim, o maior mérito de O Despertar da Força é ser um filme que um seguidor antigo de Star Wars (como eu) não tem vergonha de dizer que adorou. Não foram poucas as vezes em que vibrei em silêncio, gargalhei ou me emocionei (de olhos molhados) por causa de alguma referência, easter egg ou pequeno detalhe que passará batido pela maioria do público, mas que farão os fãs da primeira geração pensarem "valeu por essa, J.J.". Atualmente o nerd mais respeitado dessa e outras galáxias, Abrams nos demonstra que é um dos nossos, respeitando ao máximo o produto original e a memória dos fãs. Ao mesmo tempo, ele ainda consegue nos surpreender a cada revelação e nos faz indagar o que vai acontecer depois, ou o que diabos muitas daquelas coisas significam.
Aliás, talvez seja esse o maior defeito de Star Wars: O Despertar da Força: ele deixa muitas pontas soltas, até demais. Provavelmente a intenção era não revelar muito para haver o que contar nos próximos filmes. Assim mesmo, parece que o ritmo é exageradamente incessante, como se houvesse pressa de se chegar "lá". Não há longos diálogos, comuns nas duas trilogias, e há pouquíssimo espaço para aborrecidas discussões filosóficas ou políticas. É tudo direto ao ponto, sem firulas, mas com requinte e capricho notáveis. A sensação de que o filme passa rápido é verdadeira e literal: Episódio VII ultrapassa pouco mais de duas horas, mas poderia ter pelo menos 40 minutos a mais (o atual público de blockbusters na certa já está doutrinado para aguentar isso). Assunto para se explorar existe, e duvido que a plateia reclamaria de ficar um pouco mais de tempo sentada no escuro.
Do lado técnico, há muito mais a ser dito. Na maioria das cenas, os efeitos especiais práticos são favorecidos em relação à computação gráfica, o que colabora para o senso de realismo e familiaridade com a trilogia original (também bastante "analógica"). Quase não há sequências em que duvidamos do que estamos vendo, como era o caso na maior parte do irritante Episódio II. O interior da Falcon Millennium permanece intacto como era em nossas memórias de infância, e as cenas no planeta desértico de Jakku reservam tomadas de tirar o fôlego. Ao mesmo tempo, há tanta novidade que será preciso assistir ao filme diversas vezes para dar conta de tudo: criaturas inéditas, sistemas planetários sobre os quais nunca tínhamos ouvido falar e toda uma nova estrutura política que o longa não se presta muito em explicar. Dessa vez, consumir os produtos paralelos -- livros, quadrinhos, games etc -- será tarefa obrigatória aos fãs que quiserem compreender para valer as intrincâncias do enredo.
E falando de momentos icônicos, tudo o que esperamos ver em um filme Star Wars está presente em O Despertar da Força: há batalhas de sabre de luz apaixonadas e sangrentas, tiroteios caóticos entre rebeldes e stormtroopers e cenas de combates espacial alucinantes -- ainda mais incríveis quando acontecem em plena luz do dia, rente às superfícies dos planetas. Trata-se de uma maneira intensa e moderna de presenciar a rivalidade entre X-Wings e TIE-Fighters como só poderíamos imaginar em nossos sonhos de criança. Aliás, esse é outro aspecto em que o novo filme surpreende: enxergamos ângulos e pontos de vista inéditos, literais e abstratos, que anteriormente não foram explorados e que agora surgem cristalinos para o nosso deleite. Você saberá do que estou falando quando for sua vez de assistir.
Tais ousadias também se aplicam às interessantes lutas de sabre de luz, que aqui ganham uma abordagem renovada sem perder a dignidade. E ao contrário do que a chancela Disney poderia dar a entender, esse não é um filme para crianças, ainda que não falte apelo para isso -- BB-8, Ray, Finn e até mesmo Kylo Ren são carismáticos o bastante para perdurar no universo dos action figures. Mas há doses consideráveis de violência na forma de tortura, combates corpo-a-corpo com sangue espirrando, execuções em massa, planetas devastados e até mesmo perseguições com monstros horríveis ao estilo Alien: O Oitavo Passageiro. Por essas e outras, Episódio VII é o filme mais variado de toda a saga, e talvez o mais adulto e emocional desde O Império Contra-Ataca (não adianta, jamais vou me convencer de que a bisonha transformação de Anakin em Darth Vader foi executada com a sensibilidade adequada. Imperdoável, George Lucas!).
Assistir a um novo Star Wars tão completo após todos esses anos é uma experiência prazerosa e emotiva que há muito tempo o cinema não me proporcionava. A sensação é a de encontrar um baú cheio de fotos antigas que nunca vimos antes e descobrir informações sobre familiares que amamos e com quem perdemos contato há tempos. Temos diante de nós um novo exemplar da franquia mais assistida, discutida e explorada da história do cinema, e pela primeira vez não sabemos o que esperar de seus próximos capítulos. O futuro é incerto como uma página em branco esperando para ser preenchida. Ao mesmo tempo, O Despertar da Força apenas arranha a superfície das novas possibilidades de Star Wars. Poderia ser mais aprofundado e explicativo, mas é provável que essas questões mal resolvidas sejam compensadas nos próximos episódios. Por enquanto, é bem possível que você saia do cinema sabendo menos ainda do que pensava entender. E de repente, nenhuma data parece tão distante quanto 26 de maio de 2017, quando Episódio VIII chegará aos cinemas.
O VEREDICTO
Os fãs enfim podem dormir tranquilos: Star Wars: O Despertar da Força é realmente o grande filme que todo aquele hype prometeu. J.J. Abrams conseguiu a proeza de manter segredos intactos, ainda mais na era da informação abundante e instantânea, além de criar uma história que renova nossa compreensão sobre um velho universo e que torna impossível saber como a história vai se desenrolar daqui em diante. O respeito à trilogia original de 1977 a 1983 é o que faz de Episódio VII a continuação perfeita daqueles filmes, além de nos fazer esquecer que a segunda trilogia existiu. Os novos personagens convencem, apesar de a nova trama não ter sido tão bem explorada, deixando espaço para muita água rolar em Episódios VIII e IX. Se a intenção era renovar a saga mais importante da cultura pop para novas gerações e agradar um enorme contingente de fãs devotos, o objetivo foi cumprido. Parabéns, J.J. Abrams. E que venha Episódio VIII -- e que venha logo!